02 agosto 2012

V - Acidentes por Lepidópteros ( Taturana ) - Dermatite urticante - Epidemiologia - Morfologia - Família - Forma adulta ( mariposas-da-coceira ) - Biologia - Ações do veneno - Quadro Clínico - Complicações - Tratamento


V - Acidentes por Lepidópteros

1. Introdução
Os acidentes causados por insetos pertencentes à ordem Lepidóptera, tanto na forma larvária como na adulta, dividem-se em:

1.1. Dermatite urticante
a) causada por contato com lagartas urticantes de vários gêneros de lepidópteros;
b) provocada pelo contato com cerdas da mariposa Hylesia sp.

1.2. Periartrite falangeana por pararama

1.3. Síndrome hemorrágica por Lonomia sp


2. Epidemiologia
Os acidentes por lepidópteros têm sido, de modo geral, subnotificados, o que dificulta seu real dimensionamento.
Em virtude das particularidades apresentadas pelos três tipos de agravo, alguns aspectos epidemiológicos serão abordados nos tópicos específicos.


3. Lepidópteros de importância médica
A Ordem Lepidóptera conta com mais de 150.000 espécies, sendo que somente algumas são de interesse médico no Brasil.


3.1. Morfologia

Formas larvárias
A quase totalidade dos acidentes com lepidópteros decorre do contato com lagartas, recebendo esse tipo de acidente a denominação de erucismo (erucae = larva), onde a lagarta é também conhecida por taturana ou tatarana, denominação tupi que significa semelhante a fogo (tata = fogo, rana = semelhante).

As principais famílias de lepidópteros causadoras de erucismo são Megalopygidae, Saturniidae e Arctiidae.


Família megalopygidae
Os megalopigídeos são popularmente conhecidos por sauí, lagarta-de-fogo, chapéu-armado, taturanagatinho,  taturana-de-flanela (fig. 53).

Apresentam dois tipos de cerdas: as verdadeiras, que são pontiagudas contendo as glândulas basais de veneno; e cerdas mais longas, coloridas e inofensivas.





As lagartas de saturnídeos apresentam “espinhos” ramificados e pontiagudos de aspecto arbóreo, com glândulas de veneno nos ápices. Apresentam tonalidades esverdeadas, exibindo no dorso e laterais, manchas e listras, características de gêneros e espécies (fig. 54). Muitas vezes mimetizam as plantas que habitam.




Nesta família se incluem as lagartas do gênero Lonomia sp (fig. 55 e 56), causadoras de síndrome hemorrágica. São popularmente conhecidas por orugas ou rugas (Sul do Brasil), beijus-de-tapuru-de-seringueira (norte do Brasil).






Família arctiidae
Nesta família se incluem as lagartas Premolis semirufa (fig. 57), causadoras da pararamose.
  




Formas adultas (mariposas-da-coceira)
Somente as fêmeas adultas do gênero Hylesia sp (Saturniidae) (fig. 58) apresentam cerdas no abdome que, em contato com a pele, causam dermatite papulopruriginosa.



  

3.2. Biologia
O ciclo biológico dos lepidópteros apresenta quatro fases distintas: ovo, larva, pupa e adulto.

Em Lonomia sp foram observados os seguintes períodos:

a) ovo - 30 dias de período embrionário;

b) larva - encontrada nos troncos das árvores, alimentando-se de folhas, esta estapa dura 59 dias;

c) pupa - permanece em dormência no solo por períodos de 45 dias;

d) adultos - vive cerca de 15 dias. Após o acasalamento ocorre a oviposição.

As lagartas alimentam-se de folhas, principalmente de árvores e arbustos. Os megalopigídeos são solitários, enquanto os saturnídeos apresentam hábitos gregários.


Dermatite urticante causada por contato com lagartas de vários gêneros

1. Introdução
Acidente extremamente comum em todo o Brasil, resulta do contato da pele com lagartas urticantes sendo, em geral, de curso agudo e evolução benigna. Fazem exceção os acidentes com Lonomia sp.

Dados das regiões Sul e Sudeste indicam que existe uma sazonalidade na ocorrência desses acidentes, que se  expressa mais nos meses quentes, relacionada possivelmente ao ciclo biológico do agente.

2. Ações do veneno
Não se conhece exatamente como agem os venenos das lagartas. Atribui-se ação aos líquidos da hemolinfa e da secreção das espículas, tendo a histamina como principal componente estudado até o momento.

3. Quadro clínico
As manifestações são predominantemente do tipo dermatológico, dependendo da intensidade e extensão do contato.
Inicialmente, há dor local intensa, edema, eritema e, eventualmente, prurido local (fig. 59). Existe infartamento ganglionar regional característico e doloroso. Nas primeiras 24 horas, a lesão pode evoluir com vesiculação e, mais raramente, com formação de bolhas e necrose na área do contato.



4. Complicações
O quadro local apresenta boa evolução, regredindo no máximo em dois-três dias sem maiores complicações ou seqüelas.


5. Tratamento

• lavagem da região com água fria;

• infiltração local com anestésico tipo lidocaína a 2%;

• compressas frias;

• elevação do membro acometido;

• corticosteróides tópicos;

• anti-histamínico oral.

Por causa da possibilidade de se tratar de acidente hemorrágico por Lonomia sp, todo o paciente que não trouxer a lagarta para identificação deve ser orientado para retorno, no caso de apresentar sangramentos até 48 horas
após o contato.


Dermatite urticante provocada por contato com mariposa Hylesia sp

1. Introdução
Fêmeas de mariposas de Hylesia sp têm causado surtos de dermatite papulopruriginosa. As mariposas, atraídas pela luz, invadem os domicílios e, ao se debaterem, liberam no ambiente as espículas que, atingindo a superfície cutânea, podem causar quadros de dermatite aguda.

O contato com cerdas tóxicas de mariposas do gênero Hylesia ocasionou surtos de dermatite urticante inicialmente descritos no estado do Amapá. A partir da década de 1980, relatos ocasionais vêm sendo feitos em Minas Gerais, São Paulo e Paraná.

2. Ações do veneno
Além do trauma mecânico provocado pela introdução das espículas, postula-se a presença de fatores tóxicos que, até agora, praticamente não foram estudados.

3. Quadro clínico
Lesões papulopruriginosas acometendo áreas expostas da pele são observadas cerca de poucas horas após o contato com as cerdas (fig. 60). Acompanhadas de intenso prurido, as lesões evoluem para cura em períodos variáveis de sete a 14 dias após o início dos primeiros sintomas.



4. Tratamento
O uso de anti-histamínicos, por via oral, está indicado para o controle do prurido, além de tratamento tópico com compressas frias, banhos de amido e, eventualmente, cremes à base de corticosteróides.


Periartrite falangeana por contato com pararama

1. Introdução
A pararamose ou reumatismo dos seringueiros é uma forma de erucismo que ocorre em seringais cultivados. É causada pela larva da mariposa Premolis semirufa, vulgarmente chamada pararama.

Os acidentes com a pararama, até o presente, parecem restritos à Amazônia, mais particularmente aos seringais cultivados no estado do Pará. Ocorrem durante todo o ano, com discreta redução nos meses de novembro a janeiro, época menos favorável à extração do látex.

As vítimas, em quase sua totalidade, são homens que se acidentam durante o trabalho de coleta da seiva das seringueiras. Mais de 90% dos acidentes comprometem as mãos, sendo a direita a mais atingida. O dedo médio é o mais lesado e a terceira articulação interfalangeana a mais comprometida.

Diferindo do modelo usual de acidente agudo e transitório, a pararama determina, em alguns indivíduos, lesões crônicas que comprometem as articulações falangeanas, levando a deformidades com incapacidade funcional.


2. Ações do veneno
A reação granulomatosa e conseqüente fibrose do tecido cartilaginoso e bainhas do periósteo têm sido relacionadas,
em modelos experimentais, à ação mecânica das cerdas nestes tecidos e/ou à existência de secreções protéicas no
interior dessas cerdas.


3. Quadro clínico
Os sintomas imediatos caracterizam-se por prurido, dor e sensação de queimadura, seguidos de rubor e tumefação.
Este quadro poderá perdurar por horas ou poucos dias, regredindo no curso de uma semana, na maioria dos casos.
Para alguns acidentados, persiste o edema na área lesada, habitualmente a face dorsal dos dedos, que progride a ponto de provocar tumefação das articulações interfalangeanas. Há limitação transitória dos movimentos articulares dos dedos comprometidos, com incapacitação funcional temporária na maioria dos acidentados. Nesse limitado grupo de indivíduos, ao edema crônico segue-se fibrose periarticular que imobiliza progressivamente a articulação atingida, levando ao quadro final de anquilose, com deformações que simulam a artrite reumatóide (fig. 61).

4. Exames complementares
Exames radiológicos comprovam as alterações clínicas referidas, porém não oferecem características específicas ou diagnósticos diferenciais.



5. Tratamento
Não há conduta terapêutica específica.
No pós-contato imediato o tratamento segue o descrito para dermatite por contato com larvas urticantes.
As formas crônicas, com artropatia, deverão ter acompanhamento especializado.


Síndrome hemorrágica por contato com Lonomia

1. Introdução
O contato com lagartas do gênero Lonomia sp pode desencadear síndrome hemorrágica que, nos últimos anos,
vem adquirindo significativa importância médica em virtude da gravidade e da expansão dos casos, principalmente na região Sul.

Os acidentes com manifestações hemorrágicas foram inicialmente descritos na década de 1960 nas florestas tropicais da Venezuela. A partir de 1983, alguns casos provocados por contato com lagarta do gênero Lonomia foram observados nos estados do Amapá e Pará, com alta letalidade. Mais recentemente, a partir de 1989, no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, acidentes hemorrágicos vêm sendo descritos com incidência crescente, atingindo principalmente trabalhadores rurais. Além desses estados, foram registrados acidentes no Paraná, São Paulo, Goiás e Pará.

Verifica-se na região Sul uma maior freqüência de acidentes nos meses de novembro a abril.


2. Ações do veneno
O mecanismo pelo qual a toxina da Lonomia sp induz à síndrome hemorrágica não está esclarecido.
Algumas frações do veneno foram isoladas, tais como fosfolipase, substância caseinolítica e ativadora de complemento, não se conhecendo exatamente o seu papel no envenenamento humano.

Verifica-se hipofibrinogenemia atribuída a uma atividade fibrinolítica intensa e persistente, associada a uma ação pró-coagulante moderada. A ação do veneno parece também estar associada à diminuição dos níveis de fator XIII, responsável pela estabilização da fibrina e controle da fibrinólise.
Não se observa alteração nas plaquetas.


3. Quadro clínico

Constitui a forma mais grave do erucismo.

Além do quadro local de dermatite urticante, presente imediatamente após o contato, manifestações gerais e  inespecíficas podem surgir mais tardiamente, tais como: cefaléia holocraniana, mal-estar geral, náuseas e vômitos, ansiedade, mialgias e, em menor freqüência, dores abdominais, hipotermia, hipotensão.

Após um período que pode variar de uma até 48 horas, instala-se um quadro de discrasia sangüínea, acompanhado
ou não de manifestações hemorrágicas que costumam aparecer oito a 72 horas após o contato. Equimoses podem ser encontradas podendo chegar a sufusões hemorrágicas extensas (fig. 62), hematomas de aparecimento espontâneo ou provocados por trauma ou em lesões cicatrizadas, hemorragias de cavidades mucosas (gengivorragia, epistaxe, hematêmese, enterorragia), hematúria macroscópica (fig. 63), sangramentos em feridas recentes, hemorragias intra-articulares, abdominais (intra e extraperitoniais), pulmonares, glandulares (tireóide, glândulas salivares) e hemorragia intraparenquimatosa cerebral.



De acordo com a intensidade dos distúrbios hemostáticos, o acidente pode ser classificado em:

a) Leve: paciente com envenenamento local e sem alteração da coagulação ou sangramentos até 48 horas após o acidente, confirmado com a identificação do agente;

b) Moderado: paciente com envenenamento local, alteração da coagulação somente ou manifestações hemorrágicas na pele e/ou em mucosas (gengivorragia, equimose, hematoma), hematúria e sem alteração hemodinâmica (hipotensão, taquicardia ou choque);

c) Grave: paciente com alteração da coagulação, manifestações hemorrágicas em vísceras (hematêmese, hipermenorragia, sangramento pulmonar, hemorragia intracraniana), e com alterações hemodinâmicas e/ou falência de múltiplos órgãos ou sistemas.


4. Complicações
A principal complicação é a insuficiência renal aguda que pode ocorrer em até 5% dos casos, sendo mais freqüente em pacientes acima de 45 anos e naqueles com sangramento intenso. A fisiopatologia é multifatorial, podendo estar relacionada a hipotensão, seqüestro de sangue e ação direta do veneno.


5. Exames complementares

Não existem exames específicos. Podem ser observados:

- alteração do Tempo de Coagulação;

- prolongamento do Tempo de Protrombina (TP) e Tempo de Tromboplastina Parcial Ativado (TTPA), observados no coagulograma;

- diminuição acentuada do fibrinogênio plasmático;

- elevação de Produtos de Degradação do Fibrinogênio (PDF) e dos Produtos de Degradação da Fibrina (PDFib);

- número de plaquetas normal.


6. Diagnóstico

Não existem métodos diagnósticos específicos.

O diagnóstico diferencial com as dermatites urticantes provocadas por outros lepidópteros deve ser feito pela  história clínica, identificação do agente e presença de distúrbios hemostáticos.

a) Caso a lagarta seja capturada, deve-se fazer a sua identificação para estabelecer o diagnóstico diferencial com outros gêneros de lepidópteros. Sendo a lagarta identificada como Lonomia, deve-se verificar a presença de hemorragias e alteração na coagulação. Se o TC estiver normal e não houver sangramentos, o paciente deve ser acompanhado por 48 horas, com avaliação do TC a cada 12 horas. Se o TC estiver alterado ou houver evidências de sangramento, é confirmado o diagnóstico de síndrome hemorrágica.

b) Caso a lagarta não seja identificada, deve-se fazer o TC e, se este mostrar-se normal, o acompanhamento por 48 horas deve seguir as mesmas orientações acima.


7. Tratamento

O tratamento do quadro local segue as mesmas orientações para a dermatite urticante provocada por outros lepidópteros.

Nos acidentes com manifestações hemorrágicas, o paciente deve ser mantido em repouso, evitando-se traumas mecânicos.

Agentes antifibrinolíticos têm sido utilizados, como:

- ácido épsilon-aminocapróico (Ipsilon, ampola de 1g e 4g) 30 mg/kg de peso como dose inicial por via IV, seguida de 15 mg/kg a cada quatro horas até a normalização da coagulação;

- aprotinina (Trasylol), utilizada na Venezuela, porém não diponível no nosso meio.

A correção da anemia deve ser instituída por meio da administração de concentrado de hemácias. Sangue total ou plasma fresco são contra-indicados pois podem acentuar o quadro de coagulação intravascular.

O soro antilonômico (SALon) começa a ser produzido em pequena escala, estando em fase de ensaios clínicos, de utilização restrita. As doses utilizadas no momento, de acordo com a gravidade, estão contidas no quadro IX.



8. Prognóstico

Tornam o prognóstico mais reservado:

- acidentes com elevado número de lagartas e contato intenso com as larvas;

- acidentes em idosos;

- patologias prévias do tipo hipertensão arterial e úlcera péptica, entre outras, e traumatismos mecânicos pós-contato.


Fonte: FUNASA.

Bombeiroswaldo...


5 comentários:

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  2. Cláudio de Vasconcellos Pinheiro19 abril, 2014

    rTive sexta 18/4/14 contato com um megalopygydae parecido com o da figura 53. coloquei o chapéu na cabeça e imediatamente senti como uma queimadura, imediatamente tirei o chapéu e ela caiu. sou calvo e logo além do ardor moderado, começou
    uma dormência na região como se tivesse anestesiado, uma hora depois passaram todos os sintomas. Já faz 36 horas e tudo OK. será se terá ainda alguma reação?. Recolhi o animal.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Cláudio, Boa tarde e Feliz Páscoa à você e sua Família.
    Em relação ao incidente, pode ficar despreocupado, pois o tempo de ação do veneno já passou, apenas higienize a cabeça com cuidado, sem friccionar, pois pode haver cerdas encravadas no couro de sua cabeça, o resto a mãe natureza faz, isso quer dizer que nosso organismo se autodefende e expulsará os micro-organismo invasores de sua pele. Despreocupe-se e curta o feriadão. Abração e obrigado pela visita...

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  5. Meu corpo fico roxo oque faço tirar

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